Foto: ge (MarlonCosta/Pernambuco Press) |
Uma razão para viver
Blog do Zuêrio: relatos de um verdadeiro FANÁTICO por futebol.
segunda-feira, 11 de outubro de 2021
A fera está desembestada, infrene
quinta-feira, 7 de outubro de 2021
Ninguém é mais vivo do que quem quase morreu
Foto: ge (Marlon Costa/Pernambuco Press) |
segunda-feira, 4 de outubro de 2021
O gol que prenuncia a glória
O grande problema da paralisia é o ciclo vicioso que ela inaugura. Os músculos parados enrijecem, atrofiam; e uma musculatura atrofiada e rija tem baixa mobilidade e não se move como deveria. O fenômeno, que é conhecido há séculos pelos médicos e fisioterapeutas, verifica-se também, e com assombroso paralelismo, no futebol. Quanto mais um time perde, mais difícil lhe é voltar a vencer.
Porque a derrota e, mais ainda!, a sequência reiterada de derrotas provoca no time uma atrofia moral ainda mais grave do que a atrofia física. Sim, meus amigos, um paralítico que volta a andar depois de dois anos é menos assombroso do que um time que volta a vencer após dois meses. O milagre, no caso do futebol, é um portento ainda maior.
Foto: ge (Marcelo Oliveira/Futura Press) |
O Glorioso estava nesta situação: não ganhava nada há oito jogos. Não marcava um gol -- um mísero gol! -- há oito partidas. Meus amigos, o futebol tem seus tempos próprios. Ninguém lembra o que aconteceu oito partidas atrás -- é como se fosse a infância profunda, a pré-história, o paleolítico do campeonato. Somente especialistas conseguem discorrer sobre o que ocorreu há um lapso tão grande de tempo: para o povo comum, para o chão-de-fábrica, o futebol que se comenta nos cafezinhos e que se discute nos bares é o do último fim de semana. No máximo, da semana passada, de quinze dias atrás. Mais do que isso, meus amigos, é outro mundo, é o pré-cambriano. Gerações de rubro-negros já se sentiam, assim, como se nunca tivessem visto seu time ganhar. Parecia que crianças haviam crescido sem jamais ver um gol do seu time. A situação estava deplorável.
Mas ontem tudo mudou. Ontem, jogando contra o Grêmio, lá na casa do adversário, os ventos começaram a soprar diferente e a sorte do time se transformou. Ontem se viu mais uma vez toda a beleza do Leão em fúria -- imponente, senhor-de-si, destroçando altivo quem estivesse à sua frente, estraçalhando os adversários com suas presas imortais. Ontem o Leão se fartou de churrasco nas terras gaúchas. E, agora, bem alimentado, pode recuperar o território perdido.
Porque o primeiro passo é sempre o mais importante. Para o maratonista acamado, a primeira vez em que ele se põe de pé sozinho é mais importante do que os primeiros quilômetros corridos após a doença. Uma vez que consiga se levantar -- uma vez que mostre a si mesmo não estar morto, paralítico e nem aleijado --, o atleta sabe que voltar aos pódios é apenas uma questão de tempo: o mais difícil ele já fez. A recuperação moral antecede e anuncia a recuperação física.
E ontem a moral rubro-negra se redescobriu. Ontem, após dois meses, um grito de gol se elevou da garganta de vinte e dois milhões de rubro-negros. Meus amigos, aquele gol, sozinho, foi toda uma goleada. Nunca um gol foi tão comemorado e digo ainda: o gol que balança uma rede após um tempo tão grande tem algo de místico, de sobrenatural, de pressagioso. A história nos mostra que este é o gol que prenuncia a glória.
Sim, meus amigos, aquilo não foi um simples gol. Foi uma profecia, um vaticínio. Um murmúrio antigo, de heróis de um passado longínquo e que já se acreditava enterrado, levantou-se ontem em Porto Alegre e se fez ouvir tonitruante por toda a terra. Forças profundas, ancestrais, selvagens foram liberadas ontem à noite, e agora é só deixá-las correr. O mais difícil já foi feito. Agora o Glorioso reencontrou o caminho da vitória e já pode voltar a sonhar com as alturas a que pertence por natureza, história e mérito.
segunda-feira, 24 de maio de 2021
A final do Pernambucano não pode ser o fim do Futebol
Foto: JC Imagem |
segunda-feira, 26 de outubro de 2020
Ponto de inflexão
As mais duras operações de guerra são as de reconhecimento. O difícil não é abater um inimigo em combate: o difícil é fazer uma incursão em terreno adversário para avaliar a força do inimigo -- e, claro, compará-la com as suas próprias forças. A luta em campo aberto pode ser brutal, mas ao menos é sincera. Por sua vez, o reconhecimento do campo inimigo é estratégico, nebuloso, dissimulado. E pode ser trágico.
Mas é necessário. Há momentos em que não adianta avançar loucamente, de olhos vendados, alternando golpes cegos com passos em falso. É preciso parar e respirar, e olhar com calma ao redor, e traçar uma estratégia de ação -- mesmo que isso signifique abrir espaço para o bombardeio adversário. Sim, meus amigos, por vezes há mais heroísmo em resistir do que em atacar. Basta uma Batalha do Marne para vencer a Guerra.
No último sábado o Sport encarou o Atlético com uma moral mais baixa que a dos soldados franceses sob invasão alemã. O Leão vinha de quatro derrotas seguidas: perdera em casa como perdera fora de casa, perdera de times acima na tabela como de times abaixo na tabela. Só fazia perder. Nem se reconhecia o Glorioso Leão da Ilha debaixo da roupagem esfarrapada de derrotas e derrotas e derrotas e mais derrotas acumuladas nas últimas rodadas do Brasileirão. O Galo, cacarejando com a crista erguida em seu terreiro, já estava contando com os três pontos da noite.
Mas ele não contava com os reveses do futebol, que são mais frequentes e emocionantes que os dos grandes conflitos bélicos. O Mineirão esperava liquidar os rubro-negros; no entanto, foi forçado a testemunhar o nascimento de um herói. De um virtuose. De uma lenda.
Foto: Facebook (@luanpolligk) |
Meus amigos, havia algo de sobrenatural naquele sábado. O Atlético apresentou a mais incontestável superioridade técnica e estatística sobre o time visitante: teve mais passes acertados, menos faltas, mais posse de bola, mais ataques. E mais, infinitamente mais chutes a gol. Parecia bruxaria: a bola só procurava a rede rubro-negra. Dava a impressão de que não foram somente duas vezes, nem vinte, nem duzentas, mas umas duas mil vezes em que os chutes foram disparados contra o gol do Sport. Parecia que havia umas dez bolas em campo e uns vinte jogadores do Atlético disparando ao mesmo tempo contra um homem sozinho.
Este homem era Luan Polli e foi a grande estrela daquela noite.
Ninguém acreditava que ele seria capaz de segurar tantos ataques por tanto tempo: diante dele estava o melhor ataque do campeonato! Mas o homem se mostrou uma verdadeira muralha, um paredão, uma Bastilha inexpugnável. Foram centenas e centenas de chutes, capazes de colocar Paris inteira abaixo; mas o gol rubro-negro permaneceu hígido, íntegro, incólume. Nada passou pelo camisa 27. E, quando soou o apito e a poeira baixou, o homem estava de pé em meio aos escombros. O Galo arregalou os olhos, abaixou a crista e foi chorar no galinheiro.
Meus amigos, a partida daquele sábado foi um verdadeiro ponto de inflexão. As últimas derrotas do Sport parecem agora coisa pequena e sem importância diante do heroísmo solitário de Luan Polli diante do Atlético. Agora a má fase é coisa do passado. Agora é hora de o Leão voltar a reinar.
segunda-feira, 14 de setembro de 2020
Adeus a Sander
Meus amigos, dizem que o arroz está caro. Mas o gênero alimentício que quase não se encontrava em Recife neste domingo era a carne suína. Graças a uma bonita tradição de comer porco em determinados dias do ano, vinte e um milhões de rubro-negros abasteceram as suas dispensas para a festa da noite. E não havia coronavírus capaz de abater o ânimo do Sport -- que jogaria em Casa, na Ananias Arena, contra um dos seus mais tradicionais fregueses. Nenhum torcedor esperava menos do que a vitória. A carne começou a ser servida já no almoço. Houve registro de alguns rubro-negros que começaram a comer porco inclusive no café da manhã. Foi um carnaval.
Eis o que quero dizer: ontem, o jogo não havia nem começado e as comemorações já corriam soltas. O futebol, meus amigos, é um esporte de poucas verdades. Entre as quatro linhas há muito espaço para o improviso, para a surpresa, para os caprichos do Acaso, e é isso o que torna o esporte tão emocionante. Somente umas poucas coisas são certas no futebol: coisas como "quem não faz, leva", ou "o jogo só termina como acaba", ou ainda "o Palmeiras é freguês do Sport".
Mas mesmo essas coisas básicas só são verdadeiras na generalidade dos casos. Há aquelas situações raras em que o time não faz mas também não leva, há vezes em que o jogo termina antes de acabar. E há até alguns casos, esses raríssimos, em que o porco consegue escapar das garras ferozes do Leão.
São momentos terríveis e que exigem uma severa autocrítica. Afinal, triste é a situação do time que não consegue bater nem o freguês! Se o Leão se atrapalha pra cravar as presas até num bacurim, corre verdadeiro risco de terminar morrendo de fome. A noite de ontem, que deveria ser de fartura, terminou mirrada. São pontos que vão fazer falta. Aquele empate chocho de ontem deixou a torcida rubro-negra insatisfeita -- tão insatisfeita como nem mesmo outras derrotas recentes conseguiram deixar.
Foto: OneFootBall |
E, neste jogo, a atuação de Sander merece um comentário particular. O lateral-esquerdo deu um gol de graça para o Palmeiras, sim; mas a culpa não foi somente dele e, verdade seja dita, ele até tentou, depois, reparar seu erro. Meus amigos, aquele lance foi escandaloso. É o tipo de falha que desperta paixões homicidas, que encerra prematuramente carreiras, que atrai a indisposição até dos amigos. Até dos familiares. Aposto que a própria mãe do atleta, se visse um lance daqueles, daria no moleque uma chinelada. Após passar a bola para o atacante adversário, sozinho, de frente para o gol, Sander deve ter se sentido o mais infeliz dos homens.
Mas eu dizia que a culpa não foi somente dele. Ora, impossível negar que o problema é, também, a diretoria: se o jogador já disse que não tinha mais interesse em permanecer no time, a coisa mais sensata a fazer é deixá-lo ir embora desde já. Desde agora, desde ontem. Não se mendiga a presença de um atleta que não quer jogar no time, que não tem respeito, consideração, pela camisa que veste. Coagindo o sujeito a jogar, insistindo, bajulando, adulando, chantageando, ou o que seja, corre-se o risco de ter em campo um jogador fazendo corpo mole -- ou, pior, fazendo o jogo do adversário.
Não acho que Sander tenha querido dar o empate para o Palmeiras; o problema é que do corpo mole para o fogo amigo a diferença é pequena e o passo é curto. Às vezes, involuntário. Meus amigos, Sander enlouqueceu após dar aquele gol: disputava cada bola como se fossem mantimentos em zona de guerra, perseguia os adversários como se fosse um pervertido. E abatia cada atacante como se fosse um açougueiro correndo atrás de um leitão que houvesse fugido do matadouro. Em uma dessas foi expulso, mas lavou a alma. Sim, meus amigos, aquele cartão vermelho foi uma última auto-punição, o derradeiro golpe auto-infligido, a catarse extrema. O homem estava louco e se abateu antes de ser abatido. Está morto, uma salva de tiros e sigamos adiante.
Aquela expulsão encerrou a etapa inicial e revigorou o time. Parecia que a fera se livrava enfim de um peso morto. O segundo tempo foi todo para o gol de Lucas Mugni -- um gol de tirar o fôlego, categórico, plástico. Não ganhamos do freguês, mas contemplamos a imolação de Sander e fechamos o domingo com um belo grito de gol explodindo da garganta. Que ele exorcize de vez a má fase e possa ser ouvido mais vezes nas próximas rodadas.
segunda-feira, 7 de setembro de 2020
O Olimpo do futebol
Em nossos dias é cada vez mais comum ver pessoas celebrando a sexta-feira. Afinal, trata-se do dia que marca o início do fim-de-semana, quando as ocupações do quotidiano dão lugar aos merecidos descansos do sábado e do domingo. A verdade é que o homem não é homem sem os seus pequenos prazeres inconfessáveis, sem as veleidades do homem comum -- que as tem sem nem lhes ser capaz de nomear. Se é verdade que o trabalho enobrece, não é menos verdade que o só trabalho embrutece. É apenas da natureza bruta que se pode esperar uma constância indefinida; o homem, cada homem, comporta em si maior complexidade que no resto inteiro da Criação.
Somente o homem poderia ter inventado o tédio. Dizem que os gregos pintaram os seus deuses com todos os vícios humanos; isso é uma meia verdade. Se você reparar bem, não há tédio entre os Olímpicos, e isso não somente por causa das diabruras que somente os deuses, por serem deuses, são capazes de fazer. Não é apenas isso. O mais impressionante poder de Zeus não é o de se transformar em cisnes e touros para seduzir donzelas; o que assombra, o que é sobre-humano, é que ele jamais se canse de mandar chuva sobre a Hélade.
E não se trata de um fenômeno isolado, reservado talvez à majestade do Rei dos Deuses. É uma constância universal. Apolo cavalga sobre os céus, do Oriente ao Ocidente, todos os dias, sem que se tenha registro de uma vez sequer em que o sol tivesse deixado de nascer por incúria do jovem Febo. Caronte atravessa o Estige de uma margem à outra o tempo inteiro, desde que o mundo é mundo, sem que jamais o Reino dos Mortos tenha deixado de ser o recalcitrante destino da peregrinação dos mortais. Eis o que quero dizer: Hélio não pára e o Hades não fecha. Ora, nenhum homem no mundo seria capaz de desempenhar essas divinas tarefas, não por elas serem grandiosas demais, mas simplesmente por serem por demais tediosas. Privem-se os homens dos domingos e feriados, e rapidamente se verá uma convulsão social de fazer a expulsão dos Titãs parecer um desentendimento de comadres.
E é esta a força que se encontra por trás das últimas duas partidas do Sport, este poder insaciável desconhecido até mesmo dos antigos deuses: o tédio. Sim, meus amigos, o tédio pode por vezes chegar ao limite do insuportável. Afinal, nenhum time de verdade consegue perder indefinidamente: chega um momento em que ele simplesmente se cansa de apanhar, da mesma maneira que um operário de fábrica não consegue apertar porcas vinte e quatro horas por dia. Há limites para tudo nesta vida. Uma hora explode a revolta.
E ela veio. Primeiro foi o Grêmio, na quinta-feira, longe de casa, abrindo antecipadamente os festejos do final de semana. Os primeiros trinta minutos de jogo foram a melhor meia hora do Sport em campo, desde o início do campeonato e eu diria até mais: desde o ano passado, talvez desde 2017. Fazia tempo que não se via o time jogar com tanto entrosamento, com tanta raça, com tanta gana de vencer: em uma palavra, fazia tempo que não se via o Sport ser o Sport. Aquele gol de Patric logo aos cinco minutos de jogo foi o que desestabilizou o tricolor gaúcho, e foi a sorte do Glorioso: depois o Grêmio até se encontrou em campo, mas não foi capaz de fazer frente a um Leão mortiferamente entediado.
Foto: UOL. Pedro H. Tesch/AGIF |
E, ontem, foi o Goiás, aqui no Adelmar da Costa Carvalho, quem foi vítima da fúria tediosa do Sport. Havendo sentido o gosto de sangue na quinta-feira, o time estava sofrendo de violenta visão de túnel: não olhava para nada a não ser para o gol, gol, gol. Era a única coisa que importava, o único objetivo. A correnteza das revoluções tem mais força do que direção, e por vezes se volta contra os próprios companheiros no caminho: assim o Leão em frenesi, ontem, cravou três gols na Ilha do Retiro, incluído aí até um gol contra. Meus amigos, foi uma carnificina. Parecia uma Revolução Francesa cortando cabeças pelo simples prazer de ver esguichar o sangue: assim era Elton chutando a bola em direção ao gol, a qualquer gol, só pelo prazer de ver a rede balançar. Foi uma loucura.
E foi uma vitória marcante porque o time venceu inclusive os seus próprios defeitos. Venceu a má fase, emplacando duas vitórias seguidas, venceu o lanterna do campeonato (feito glorioso que, por si só, já valeria uma comemoração de final de Copa do Mundo!), e venceu até mesmo o próprio gol contra. Meus amigos, um time que pode se dar ao luxo de não se abalar com um gol contra já transcendeu o mundo dos mortais. Podem trazer o incenso e erigir os templos: com estas duas últimas vitórias, o Sport ingressa oficialmente no Olimpo do futebol.