segunda-feira, 6 de março de 2017

Dentro em breve, quem haverá de o lembrar?

Nenhum exército é capaz de se manter permanentemente em pé de guerra, nenhum guerreiro luta com a mesma fúria sagrada invencível todas as batalhas de que toma parte. Até Lampião foi morto quando o pegaram desprevenido e mesmo Aquiles, por piedade, concedeu uma trégua a Tróia para os funerais de Heitor.

Ontem o Leão deu uma trégua à catita aflituosa, o Glorioso concedeu a si o luxo de encerrar a própria invencibilidade no campeonato. Não foi totalmente fora de tempo; afinal de contas, há quase três anos que um alvirrubro não ganhava de um rubro-negro nem no par-ou-ímpar. Afinal de contas, o Hexagonal já havia passado da metade. Até mesmo os grandes vacilam de vez em quando, mas isso pouco importa. Tendo sido surpreendido ao raiar da madrugada, Virgulino Ferreira ainda é o Rei do Cangaço; depondo -- temporariamente -- as armas contra Príamo, Aquiles ainda é o maior herói da Ilíada. Com muito mais razão, portanto, mesmo renunciando ontem à sua invencibilidade no Pernambucano, o Sport ainda é o maior time do Nordeste.

Foto: Blog do Torcedor

Há sem dúvidas irritações -- justas; há uma natural raiva contra o time -- razoável. Pois perder para um time pequeno é sempre motivo de raiva e irritação. O torcedor sai de casa para ver o time jogar; ou se reúne com os amigos para acompanhar a transmissão da partida. E o que vê? Um time fraco e apagado, como se o elenco estivesse testando novas estratégias, como se o clássico não tivesse toda essa importância. É verdade que a partida importava pouco e que o técnico estava, sim, realizando experiências com o elenco; mas é sempre frustrante quando a torcida é capaz de perceber isso.

Se ainda a derrota viesse pelas mãos de um time superior...! Se Aquiles fosse neutralizado em combate por uma defesa troiana irresistível, ou se Lampião tombasse em guerra honesta contra as forças policiais... talvez a história fosse mais bonita e interessante, talvez evocasse as imagens de grandiosidade a que faz jus. Mas não. As muralhas de Tróia recebem um descanso porque o próprio herói se recolhe à inação, e o cangaceiro quadragenário é alvejado ao raiar do dia enquanto, desarmado, rezava o Ofício. Se o Sport sucumbisse ante uma apresentação irrepreensível do adversário, talvez o domingo houvesse sido mais bonito. Mas nada disso: a invencibilidade rubro-negra cai perante um time fraco e desorganizado, cai como se não fosse nada, cai sem motivo e sem explicação. Não, não há como não se irritar.

A rataria não deixa de fazer a festa, e a minhoca do Canal celebra como se fosse ela mesma a abater o Glorioso. É engraçado: não deixa de lembrar os troianos celebrando o armistício unilateral do inimigo, ou as polícias comemorando o fim do maior grupo cangaceiro do sertão. Mas a história faz justiça. Porque Tróia pode ter muito exaltado as suas muralhas, mas o que ficou para a posteridade é que Aquiles as pôs abaixo. Lampião pode ter sido morto, mas o nome de Virgulino Ferreira é mundialmente conhecido -- enquanto ninguém sabe o dos seus executores. Ontem a catita venceu o Sport; dentro em breve, no entanto, quem haverá de o lembrar? Quando o Leão rugir com toda a sua majestade, as derrotas do passado se esvanecerão como brumas ao amanhecer. Quando o sagrado manto rubro-negro se impuser ufano e altivo, ninguém se lembrará do berreiro tricobarbie de hoje.