segunda-feira, 17 de abril de 2017

As máximas do Futebol

Há vários ditados que todos conhecemos muito bem e que possuem uma versão característica quando aplicados ao futebol. Ontem, nas semifinais do Pernambucano, tivemos a rara oportunidade de ver exemplificados muitos dos ditos que fazem a beleza da paixão nacional.

Primeiro deles: o placar esconde o jogo. Ora, o Náutico sempre esteve em desvantagem real. Mais até: o Náutico levava sufoco desde o primeiro minuto do primeiro tempo. Aquilo não era uma partida, era um massacre: o Leão reinava absoluto, devastador, inalcançável aos focinhos nervosos dos timbus atarantados. O Sport avançou não uma nem duas, mas duzentas vezes; parecia que só havia um time em campo. Eram onze jogadores contra Tiago Cardoso sozinho. Nunca um goleiro foi tão necessário em um jogo de futebol: era a solidão de um náufrago porfiando por fazer frente às intempéries da natureza.

No entanto o Náutico se mantinha de pé. O tempo passava e parecia que ele ia resistir: o primeiro tempo inclusive terminou em um a zero para o Timbu. Sofrera noventa e nove investidas e manteve o gol fechado; em uma única cobrança de falta conseguiu abrir o placar! Quem não faz, leva, outra máxima ontem representada. Não havia, diga-se de passagem, relação alguma entre o que se via no campo e o que o placar registrava; dir-se-ia que outro jogo era registrado nos marcadores da Ilha do Retiro.

E por noventa longos minutos foi isso o que aconteceu, o maior descompasso possível entre o que os jogadores faziam em campo e os gols que eram marcados, o time escancaradamente mais fraco sustentando-se como por milagre na frente do placar.

Aos noventa minutos de jogo o time alvirrubro ganhava por dois a um e já começava a comemorar a vitória. Pena que a tenha comemorado cedo demais: não cante vitória antes do tempo. A decepção foi tão amarga que chegou a dar pena: o Náutico parecia com a criança de olhos brilhantes diante de um pudim suculento que, no entanto, ao lhe enfiar com gosto a colher, percebe com tristeza que o manjar está estragado.

Foto: Aldo Carneiro

Foi aos quarenta e cinco do segundo tempo que a sobremesa do Náutico estragou. A persistência sempre é recompensada: mais um dito popular seguido à risca no jogo de ontem. Juninho entrou em campo para marcar dois gols em sequência e colocar finalmente o Sport na frente do placar -- na posição a que fazia jus desde o primeiro minuto de jogo, aliás. Nunca duvide do Náutico: outro brocardo muito a propósito na tarde deste domingo.

Vitória da técnica sobre o acaso, do profissionalismo sobre o time-de-várzea, do futebol de qualidade sobre os rompantes de sorte. Especialmente, o time alvirrubro não estava à altura daquela vitória, que estava acima de suas forças e de seus méritos, em cujas costas ele obviamente não a podia levar. Ontem diversas máximas foram postas à prova, mas talvez esta seja a mais importante delas: quanto maior o pudim, mais fácil de azedar.

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Um gol à altura do manto rubro-negro

Ilha do Retiro, fim de tarde de um domingo chuvoso. Os torcedores rubro-negros se encaminhavam para o estádio cabisbaixos; parecia que não tinham lá tanta esperança assim na boa apresentação do elenco. O Sport, derrotado por 3 x 1 em Campina Grande, precisava agora vencer o jogo de volta a todo custo -- e com no mínimo dois gols de vantagem.

Não era muita coisa, porque dois a zero é placar que a gente alcança assim como quem brinca em um prado verdejante sob o céu azul de abril. Havia contudo um certo temor de que time metesse os pés pelas mãos mais uma vez; havia a imagem assombrosa dos maus resultados recentes a pesar sobre a cabeça dos dezoito milhões de rubro-negros que acompanharam ontem as quartas-de-final da Copa do Nordeste.

Mas o medo era vão. O Sport é na verdade um time que sempre se reinventa, que sempre surpreende; um time que não conhece má fase que dure mais do que umas poucas partidas de parca importância. O Glorioso estava ontem disposto a jogar com garra e coragem aquelas eliminatórias. A fera entrou em campo como verdadeira máquina assassina, sedenta por eliminar o adversário. Ontem até mesmo o céu carregado recifense abriu-se para ver o Sport jogar. E que espetáculo aquele céu de abril presenciou!

O Glorioso não deu descanso, e em quinze minutos já tinha enfiado dois gols no time visitante: a raposa assustada nem teve tempo de perceber a fera que se lançava sobre si. Não era chegada nem a metade do primeiro tempo e já a vantagem do time campinense estava revertida. Se o jogo acabasse ali, o Sport estaria já nas semifinais.

Mas aí seria pouco. Se o Sport houvesse metido apenas aqueles dois gols industriais dos primeiros minutos seria pouco, e os dezoito milhões de rubro-negros haveriam saído de casa por pouca coisa, e o céu de abril recifense ter-se-ia aberto por quase nada. Era preciso mais, um lance de genialidade, um arroubo de craque, uma jogada homérica, de deixar boquiabertas as musas do Parnaso. Era preciso, enfim, um lance à altura do sagrado manto rubro-negro.

E ele veio. Impávido que nem Muhammad Ali, tranquilo e infalível como Bruce Lee: Diego Souza parecia um Mercúrio alado divertindo-se em campo aberto.



O Sport subia. Rogério chutou. A bola desviou na zaga e, de repente, estava fora de alcance de Diego Souza. Mas ele não se importou com isso e nem sequer pestanejou ao ver a bola passando alta demais, longe demais dos pés dele. Em um lance de gênio Diego Souza voou de costas para o gol: se a bola não me vem às chuteiras, há de ter pensado o craque naquele momento inefável, minhas chuteiras vão buscar aquela bola. O corpo dele fez um movimento impossível e, qual acrobata experiente, sem nem olhar, mandou a bola milimetricamente para o fundo da rede do Campinense. Foi uma apoteose. Um golaço de bicicleta. Estava enterrada a raposa.

A partir daí foi só festa, aqueles pênaltis foram só protocolares. O Leão classificou-se naquele gol de Diego Souza, que há de ganhar desde já o troféu de gol mais bonito da copa, das copas do Nordeste todas. Sim, quem tem um gol daquele não precisa de mais nada. Agora é só levantar a taça.