quinta-feira, 4 de maio de 2017

Nunca se viu um silêncio tão pesado

Existem duas atitudes instintivas que um homem pode tomar diante do perigo. Digamos, um homem se afogando. Ele pode se angustiar, se debater, se apavorar -- e com isso começar a engolir cada vez mais água e apressar, assim o próprio fim. Ou, por outro lado, este homem pode manter a calma, respirar fundo, limpar a mente e concentrar-se nas braçadas que precisa dar para chegar a terra firme. São duas atitudes fundamentais e opostas entre si: uma conduz à morte enquanto a outra leva à sobrevivência.

Aquele que mantém a calma diante do perigo é o verdadeiro sobrevivente: e foi assim que o Sport se portou nas semi-finais da Copa da Nordeste. Perdera para o Santa Cruz na Ilha do Retiro no jogo de ida; na volta, jogando no campo do adversário, precisava vencer a qualquer custo para continuar na competição.

Alguém poderia dizer que o time não precisava disputar esta final; afinal, os rubro-negros estão jogando não dois nem três, mas cinco campeonatos ao mesmo tempo. O Glorioso é finalista no Campeonato Pernambucano e na Copa do Nordeste. Está nas Oitavas da Copa do Brasil. Está, também, disputando a Sulamericana. E, é claro, ainda tem a série A do Brasileirão que começa ainda está mês. São muitas competições simultâneas, mas para o Rei dos Gramados não existe tempo ruim. O Sport é como o Leão cercado de caça farta, qualquer uma delas ao alcance de suas garras poderosas.

Poderiam dizer que o Sport não precisava se desgastar com esta final; mas ele se confrontou justamente com a minhoca do canal do Arruda. A minhoca que veio rastejante da série D do Brasileirão e parece já ter iniciado o seu caminho de volta, ladeira cada vez mais abaixo. A minhoca que, cega e patética, ousou passar os últimos dias debochando do Sport. Aí não.

Foto: Guga Matos/JC Imagem.

Aí não, porque os grandes times têm um nome a zelar. O sagrado manto rubro-negro não poderia ficar assim exposto ao escárnio das tricobarbies. O escudo glorioso do Sport não poderia se sujeitar inerte às patas imundas dos vira-latas de três cores: toda a situação clamava por uma reparação.

E ela veio na noite de ontem no Arruda: o Sport impondo terror ao seu adversário, o silêncio sepulcral tomando conta das ruas ao redor, do bairro, de tudo. Nunca se viu um silêncio tão pesado, mas tão pesado que podia até ser visto e ouvido. Quem o ouviu disse que ele era ensurdecedor; quem o viu, garante que ele era preto, branco e vermelho. O silêncio dos deixados para trás.

A minhoca olhou um dia o seu reflexo nas águas sujas do canal e achou que era uma cascavel venenosa. Quis, por conta disso, crescer para cima do Leão: que desastre! Se o time pudesse hoje voltar atrás aposto que não teria se animado tanto. Não teria debochado assim do seu algoz. Mais até: se visse antecipadamente a heróica vitória do Sport ontem à noite talvez o Santa Cruz não tivesse nem coragem de entrar em campo para o primeiro jogo. Teria preferido enfiar-se na lama e entregar de bandeja a vaga na final a quem de direito -- tudo para não ter que sofrer a humilhação de hoje.

Há times que mantêm a calma diante do perigo, e estes são os vencedores. Mas há os desesperados, há os que não sabem o que fazer, os que se zangam e começam a espumar. Este é o Santa Cruz. Perdendo ontem em casa, abrindo passagem -- no próprio campo! -- para o desfile triunfal dos rubro-negros, o Santinha se desesperou. Incapaz de mostrar melhor futebol que seu adversário partiu para cima dele com os punhos e as chuteiras, com socos e empurrões, chutes e voadoras. O jogo teve que ser suspenso por diversas vezes; no final, três jogadores do time de casa haviam sido expulsos. Foram os últimos espasmos dos afogados, buscando em seus estertores arrastar para o fundo quem quer que estivesse por perto. O Sport soube se desvencilhar e seguir adiante. E, enquanto a minhoca jaz afundada, o Leão ocupa o lugar que lhe pertence por direito.