segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Ponto de inflexão

As mais duras operações de guerra são as de reconhecimento. O difícil não é abater um inimigo em combate: o difícil é fazer uma incursão em terreno adversário para avaliar a força do inimigo -- e, claro, compará-la com as suas próprias forças. A luta em campo aberto pode ser brutal, mas ao menos é sincera. Por sua vez, o reconhecimento do campo inimigo é estratégico, nebuloso, dissimulado. E pode ser trágico.

Mas é necessário. Há momentos em que não adianta avançar loucamente, de olhos vendados, alternando golpes cegos com passos em falso. É preciso parar e respirar, e olhar com calma ao redor, e traçar uma estratégia de ação -- mesmo que isso signifique abrir espaço para o bombardeio adversário. Sim, meus amigos, por vezes há mais heroísmo em resistir do que em atacar. Basta uma Batalha do Marne para vencer a Guerra.

No último sábado o Sport encarou o Atlético com uma moral mais baixa que a dos soldados franceses sob invasão alemã. O Leão vinha de quatro derrotas seguidas: perdera em casa como perdera fora de casa, perdera de times acima na tabela como de times abaixo na tabela. Só fazia perder. Nem se reconhecia o Glorioso Leão da Ilha debaixo da roupagem esfarrapada de derrotas e derrotas e derrotas e mais derrotas acumuladas nas últimas rodadas do Brasileirão. O Galo, cacarejando com a crista erguida em seu terreiro, já estava contando com os três pontos da noite.

Mas ele não contava com os reveses do futebol, que são mais frequentes e emocionantes que os dos grandes conflitos bélicos. O Mineirão esperava liquidar os rubro-negros; no entanto, foi forçado a testemunhar o nascimento de um herói. De um virtuose. De uma lenda.

Foto: Facebook (@luanpolligk)

Meus amigos, havia algo de sobrenatural naquele sábado. O Atlético apresentou a mais incontestável superioridade técnica e estatística sobre o time visitante: teve mais passes acertados, menos faltas, mais posse de bola, mais ataques. E mais, infinitamente mais chutes a gol. Parecia bruxaria: a bola só procurava a rede rubro-negra. Dava a impressão de que não foram somente duas vezes, nem vinte, nem duzentas, mas umas duas mil vezes em que os chutes foram disparados contra o gol do Sport. Parecia que havia umas dez bolas em campo e uns vinte jogadores do Atlético disparando ao mesmo tempo contra um homem sozinho.

Este homem era Luan Polli e foi a grande estrela daquela noite.

Ninguém acreditava que ele seria capaz de segurar tantos ataques por tanto tempo: diante dele estava o melhor ataque do campeonato! Mas o homem se mostrou uma verdadeira muralha, um paredão, uma Bastilha inexpugnável. Foram centenas e centenas de chutes, capazes de colocar Paris inteira abaixo; mas o gol rubro-negro permaneceu hígido, íntegro, incólume. Nada passou pelo camisa 27. E, quando soou o apito e a poeira baixou, o homem estava de pé em meio aos escombros. O Galo arregalou os olhos, abaixou a crista e foi chorar no galinheiro.

Meus amigos, a partida daquele sábado foi um verdadeiro ponto de inflexão. As últimas derrotas do Sport parecem agora coisa pequena e sem importância diante do heroísmo solitário de Luan Polli diante do Atlético. Agora a má fase é coisa do passado. Agora é hora de o Leão voltar a reinar.