segunda-feira, 11 de setembro de 2017

A bandeira a meio mastro

O futebol não morre jamais. Dentro do gramado há coisas que provocam surpresa; algumas outras provocam raiva; e há também, por fim, aquelas que provocam, na falta de expressão melhor, desconforto.

Todas essas emoções afloraram no jogo de ontem, como se fossem brotos verdes furando a terra seca após a chegada da chuva, como espinhas inoportunas irrompendo de manhã nas faces rosadas da adolescente que tem um baile à noite. Porque ver o Sport começar perdendo é uma coisa surpreendente; vê-lo continuar perdendo ao longo de todo o jogo, quase deixando o Avaí aumentar a vitória!, é algo que provoca raiva no torcedor apaixonado; mas o ver, por fim, apático, exaurido após noventa minutos de partida, sem entusiasmo, sem brilho nos olhos, quase que sem vida, é uma coisa que provoca um profundo desconforto. E isso é muito pior.

Porque a surpresa e a raiva são emoções passageiras, próprias dos eventos inesperados: são as emoções que nos pegam de surpresa, contra as quais é até difícil se prevenir. Elas vêm junto com os acontecimentos que as provocam. É possível ao jovem enamorado surpreender-se ao ver aquela que é objeto dos seus deleites trocando carícias com um rapaz mais velho. É possível à mulher casada enraivecer-se ao ver o marido chegar em cada fedendo a bebida no dia do aniversário de casamento. Mas essas são coisas que vêm como o fulgor de um relâmpago e, como os relâmpagos, têm a inevitabilidade da natureza bruta.

Já o desconforto é diferente. Ele surge pouco a pouco, passo a passo, de maneira lenta e repetida; ele depende não de um acontecimento súbito, mas de uma impressão constante e maturada. Eis a verdade: a surpresa é filha do instante, enquanto o desconforto é neto do tempo. A surpresa convive bem com maus resultados aleatórios, com fatalidades, com acasos mais ou menos previsíveis. Já o desconforto só se decanta a partir da repetição demorada e diversificada de maus alvitres, de erros constantes, de fracassos reiterados.

Eis porque o jogo de ontem não provocou somente surpresa, nem apenas raiva, mas também e principalmente desconforto. Porque há algo de errado no mundo quando o Glorioso recorrentemente recusa-se a vencer, quando o Leão da Ilha do Retiro curva a cabeça por um lapso demasiado longo de tempo, quando o sagrado manto rubro-negro repousa na roupa suja ao invés de desfilar imponente nos peitos ufanos de dezoito milhões de torcedores. É a sensação de estranhamento provocada por uma sucessão fora do normal de dias nublados em pleno verão. É a atmosfera lúgubre de um filme de terror barato.

Ontem à tarde, antes do jogo, passei pela Agamenon Magalhães a tempo de contemplar a Ilha. A imensa bandeira do Sport tremeluzia sobre Recife; mas, estranhamente, ela estava a meio mastro. Parecia que a própria sede estava de luto antecipado pela derrota de mais tarde, pelo Leão de fronte caída oferecido ao sacrifício. Parecia um presságio funesto mas, antes, era um retrato do time tirado em um recorte de tempo já desconfortavelmente longo. A enorme bandeira contorcia-se furiosa, desafiava o vento e a gravidade enquanto se enlutava pelo Glorioso. E da nobreza daquela cena poucos clubes teriam sido capazes mesmo em suas melhores fases. Sob o sol daquela tarde de domingo, até mesmo aquele luto era majestoso.