segunda-feira, 26 de setembro de 2016

O monumento da vitória

Há três tipos de vitórias particularmente notáveis. Há, primeiro, a vitória que caracteriza uma auto-superação; depois, há a vitória contra um adversário mais forte. Há, por fim, a vitória que vem no momento certo, a vitória oportuna, tempestiva, salvadora; a vitória, em suma, que é um marco na campanha.

Tudo isso esteve presente no triunfo alcançado pelo Glorioso no último sábado. Digo alcançado e poderia dizer mais: arrancado, extraído, garimpado com garra e determinação pelo time rubro-negro na Ilha do Retiro. O Sport foi vitorioso e até mais: triplamente vitorioso.

Sim, senhoras e senhores, há vitórias que são verdadeiros monumentos. Veja-se, antes do mais, o quesito superação. O Sport vinha de duas derrotas e ainda -- duas derrotas pífias, vergonhosas. Perdera do Atlético Mineiro. Há quem diga que se deve aceitar uma derrota sofrida para um time do G4; eu, ao contrário, digo que é ultrajante não termos conseguido marcar um único gol, um mísero e solitário gol sequer, contra o Galo que depenámos tão tranquilamente na primeira fase da competição. Naquele mês de junho foram quatro gols enfiados no time mineiro -- tivéssemos uma defesa decente e a festa seria completa. Agora em setembro, contudo, o Leão não conseguiu furar a rede mineira uma única vez.

Não se pode subestimar o peso de uma má fase. Não foi só do Atlético que o Sport perdeu; também do Coritiba, e na própria Ilha do Retiro, o Sport levou 1 x 0. A torcida já estava depressiva. Ou, por outra, a torcida já havia passado da fase da depressão e já estava violenta, revoltada, hidrófoba. Queria pendurar as chuteiras dos craques do elenco. Queria a cabeça do técnico em uma bandeja de prata. A torcida sabe ser caprichosa e mais: é muito difícil o time jogar sem o apoio dos seus torcedores.

Mas no sábado o Sport venceu; bateu-se contra a má fase, sacudiu o azar de sobre os ombros majestosos e até, em um certo sentido, reconciliou-se com a torcida. Porque não se tratou apenas de superar-se a si próprio, mas de enfrentar e vencer um gigante. O Santos não é apenas o quarto lugar do campeonato; é o segundo melhor ataque de toda a competição. O Santos tem dois jogadores disputando a artilharia do campeonato, cada um com dez gols. Não é um time, é uma máquina de vazar redes.

Foto: Globo Esporte

A máquina exterminadora santista, no entanto, bateu no peito inflado do Leão da Ilha e quebrou. Por incontáveis vezes -- dez? vinte? -- o ataque do Santos tentou transpôr a defesa rubro-negra; em cada uma delas fracassou de maneira retumbante. Aqui um zagueiro desarmando como se reagisse a um assalto; ali um lateral cortando um passe como se afastasse um animal peçonhento da própria casa; acolá o goleiro defendendo um chute como se o gol rubro-negro fosse um templo sagrado e, Magrão, uma vestal encarregada de mantê-lo puro e imaculado mesmo às custas da própria vida. Sim, senhoras e senhores, o maquinário da Vila Belmiro chegou na Ilha e encalhou, lançou-se contra o Sport e foi despedaçado. Dir-se-ia que o Universo conspirava em favor do Leão: quando, no primeiro tempo, a bola passou por Magrão, a própria trave tomou sobre si o encargo de manter fechado o gol leonino e se esticou para afastar a bola que Rodrigão cabeceara com precisão milimétrica. Naquela cabeçada enfartaram, por um instante, dezoito milhões de corações rubro-negros. Mas aquela bola não entrou; nenhuma outra bola haveria jamais de entrar, nunca mais.

A ilha não estava para peixe. O Sport venceu e, como eu dizia, venceu no momento mais oportuno: quando o Figueirense atropelou o Santinha e cravou, na entrada do Z4, o Cruzeiro com seus trinta pontos -- a mesma quantidade de pontos que o Glorioso possuía antes de bater o Santos. A vitória veio na hora certa, no momento em que o time se aproximava da degola, no instante fatídico em que tentavam abater o Leão: mas o Rei da floresta e do gramado reagiu com nobreza e mostrou de onde vem a sua majestade. Aquele jogo de domingo não foi uma simples vitória, eu repito: foi um monumento. Diante dele hão de quedar, admiradas e embasbacadas, as futuras gerações.

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Tanto estrago com tão pouco

Nada nessa vida se consegue sem sacrifício, por um lado; nem todo sacrifício recebe o reconhecimento devido, por outro. Esta é a tragédia da existência humana e digo mais: é a grande, a homérica, a shakesperiana tragédia do futebol.

No jogo do Sport contra o Atlético Magrão foi expulso. Magrão, o indefectível, a barreira cuja intransponibilidade é inversamente proporcional à alcunha que o goleiro ostenta. Magrão, o Magno. Era o jogo contra o Galo Mineiro; naquele lance ele estava um pouco mais adiantado do que devia. A bola iria encobri-lo; seria um gol para o time da casa logo no primeiro tempo da partida, seria uma tragédia, um desmantelo. Todos sabemos o que são esses fracassos logo no início. É o dia que começa com o pneu do carro furado, é o encontro onde você troca o nome da menina. Em situações assim o Universo conspira e, parece que por puro sadismo, por pura vontade de ver o circo pegar fogo, faz todas as coisas degringolarem de um modo bruto e fatal. Quantas frustrações não morreriam no nascedouro se algumas pequenas coisas -- se a camisa não se houvesse sujado durante o almoço, se o despertador não tivesse falhado -- tivessem ocorrido de modo diverso...! Guerras haverá que teriam sido desnecessárias, desaparecidas como por mágica junto com a constipação que não se deu. São mistérios do curso das coisas.

Foto: GloboEsporte

Mas de volta à Magrão. O arqueiro viu mais alto e viu mais longe; viu a bola que lhe iria encobrir, a moral do time abatida, a reação que o Glorioso seria incapaz de esboçar. Viu tudo isso em um átimo e decidiu sacrificar-se pela equipe. E, senhoras e senhores, que sacrifício! O mundo antigo não viu um maior em Leônidas no Peloponeso. O goleiro saiu de cena para que o time pudesse prosseguir -- saiu da área, meteu a mão na bola, afastou o perigo. Foi punido, foi expulso, mas preservou o gol do Leão. Dir-se-ia um soldado alvejado que, no entanto, preservara o seu posto; e, ao morrer, tinha ainda nos lábios o sorriso do dever cumprido. Sim, Magrão escorraçado do campo por um árbitro insensível -- incapaz de reconhecer o valor, o sacrifício, a abnegação -- tinha no rosto a placidez de um Templário que expirava fechando a brecha da muralha de Jerusalém.

Mas, mistérios das quatro linhas!, o gol evitado por Magrão foi o próprio estopim da desestabilização rubro-negra que ele quisera evitar. Ou melhor: a expulsão do goleiro provocou no time o impacto terrível de um exército cujo capitão fosse ceifado pelos inimigos. Demorou para se restabelecer e mais: nem mesmo um jogo depois o time estava plenamente restabelecido. A torcida caiu em cima do goleiro reserva; o time não soube dar uma resposta à altura da mal-educação da torcida. A verdade é que, paradoxalmente, tentando não ser ferido, o Leão se machucou naquele cartão vermelho de Magrão. E nunca se fez tanto estrago com tão pouco. Foram apenas dois gols nos últimos dois jogos -- até a minhoca do canal conseguiu furar mais vezes a rede rubro-negra e nem assim foi capaz de fugir da goleada! Mas o futebol é um esporte caprichoso -- e nesses dois míseros gols escoaram seis pontos da competição. Foram os dois gols mais caros que o Glorioso já tomou.

Volto à Magrão. Imagino a sua ansiedade e a sua preocupação; ele deve ter visto o time estiolar, apagar-se, desvanecer, e imagino que talvez tenha maldizido a inutilidade do próprio sacrifício. Mas, não, nobre goleiro, excelso atleta, não te deixes abater assim! A grandeza das atitudes está nelas próprias e não reconhecimento alheio que lhes devotam. Se a torcida não foi capaz de te perdoar é porque não estava no campo, na tua posição; é porque não calça as tuas luvas, é porque não enxerga tão longe quanto tu te acostumaste a enxergar. Salvaste o time uma vez, Magrão, lá em Minas, naquele jogo contra o Galo, naquele lancinante cartão vermelho -- e não importa que os resultados finais não tenham estado à altura dos teus esforços heróicos e do teu abnegado sacrifício. Sim, tu salvaste o time. Não penses mais nisso. Cuida, apenas, de voltar o quanto antes a campo -- para que possas salvar o Leão ainda outras e muitas outras vezes.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

O sorriso de Durval

Diz o ditado que a cavalo dado não se olham os dentes. Pode significar que não se deve ficar procurando defeitos em presentes; mas pode também significar que, para quem deseja um equino, os seus dentes não são a coisa mais importante. Um bom cavalo deve ter força, músculos, velocidade, porte; um sorriso bonito, pra sair na foto, não passa aqui de artigo de perfumaria.

E o nordestino está condicionado hereditariamente a passar sem perfumaria. São muitas as agruras do sertão e da caatinga, é bastante a dificuldade da vida longe do eixo que hoje recebe todas as atenções. Somos o filho mais velho, eis a verdade: mas o filho cujos esforços foram preteridos no curso da história. Hoje os irmãos mais moços colhem os louros por nós plantados; tudo bem, que louro a enfeitar a fronte também é coisa como dentadura de cavalo. Há quem não viva sem as fotos, e há também quem não possa viver com esta sorte de preocupações estéticas. Aprouve à Providência que nos encontrássemos entre este segundo grupo.

Também há outro adágio popular que diz que, quem ri muito, dá bom-dia a cavalo. Porque há algo de errado com o riso fácil e mais: há um quê de fraqueza, de insegurança, de imaturidade na exposição constante da própria arcada dentária. Os grandes feitos são conseguidos com luta e não com risos. Os sorrisos só abrem as portas que já estão predispostas a se abrirem; para adentrar em uma fortaleza inexpugnável, para ultrapassar um portão trancado contra o nosso avanço, aí se necessita de músculos e pontapés, de aríetes e de investidas, de rostos contorcidos pelo esforço físico realizado.

Veja-se Durval. É o símbolo de tudo isso que estou dizendo. Sisudo e sério, a sua mera colocação na zaga rubro-negra já impõe terror aos adversários, já provoca o efeito de uma carranca a afastar maus espíritos, como já disse aqui. Mas é mais. Em seu rosto rude os traços nordestinos encarnam-se de um modo admirável: dir-se-ia que, em Durval de sobrecenho franzido, está presente e eloquente toda a nordestinidade. De olhar firme, Durval sabe que se exigem mais esforços para arrancar alimentos à terra árida do sertão. De lábios contraídos, Durval demonstra estar preparado para se deparar mais com inimigos dos quais se defender do que com benfeitores a granjear-lhes a simpatia. De rosto fechado, fechando a zaga, Durval encarna o ideal nordestino, de muito esforço e pouco reconhecimento. Não é apenas um jogador, é um ícone, um avatar, um paradigma.

Foto: IBISMANIA

Mas há ainda mais! O nordestino, um forte, acostumado com o lavor quotidiano, com a faina incessante, vê mais longe. Aprendeu a enxergar a plantação verdejante ainda no solo rachado; sabe escutar a chuva que vem mesmo quando a nuvem alvissareira é apenas uma pequena e quase imperceptível mancha no horizonte. Domingo Durval viu mais longe. E, vendo, pôs-se a sorrir. O sorriso de Durval, tão alvissareiro quanto raro, deve ter provocado terror nos tricolores -- se algum tricolor o chegou a ver. Mais até: se a carranca de Durval impõe medo, o seu sorriso provoca pânico e horror. Se da carranca os atacantes temem se aproximar, da mera visão do sorriso todos os jogadores adversários fogem em debandada. Porque há algo de estranho no sorriso daquele que nunca ri. Há um mistério, um augúrio, um presságio. Que perturba os oponentes na mesma medida com que alegra os companheiros.

Eis a verdade: no sorriso de Durval já estava contida a virada rubro-negra. No primeiro gol, quando o Sport recém perdia de dois a zero, o velho Durval -- o mito, a entidade, o sobrenatural Durval -- já via a vitória leonina, já contemplava os cinco gols do Sport. Com a mesma clareza com que o sertanejo vê a grama vicejante onde os visitantes apenas conseguem ver o solo esturricado. A verdade é que, naquele gol, Durval já sabia e já antegozava a vitória, e já saboreava a glória leonina. Aquele sorriso revelava e escondia um segredo incompreensível aos pobres mortais que o flagraram. Depois dele era só esperar a goleada fatal -- que Durval já tinha visto, e com a qual já se alegrava, e pela qual já sorria.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Tudo volta ao normal nos campos recifenses

O grande papel do futebol talvez seja o de mostrar a capacidade de superação. O de escancarar a possibilidade de mudanças, de reviravoltas, mesmo diante das maiores adversidades, mesmo quando tudo parece não ter mais jeito. Trata-se de um esporte onde o esforço se valoriza e se recompensa e mais: é esporte onde todo o suor que se derrama é de algum modo sempre recompensado.

O clássico de ontem revelou bem isso. Não estava o Leão em seus melhores dias; o Glorioso estava em uma fase que não fazia jus à sua majestade. Perdera do Santa Cruz pela Sul-Americana e fora derrotado pelo Corinthians em uma das talvez piores apresentações do elenco. Vinha de duas derrotas, do descaso da torcida, da falta de perspectiva na competição. Mas domingo era dia de clássico -- e que clássico! Era preciso fazer bonito, era preciso jogar para a torcida, preparar-lhe um agrado, encher-lhe os olhos.

E o Sport fez bonito. Fez bonito como há muito não fazia, manchado que estava o padrão rubro-negro pelas derrotas sofridas, este ano, nas mãos do rival. Fez bonito e de certo modo lavou a honra leonina, liberando o grito de vitória que estava entalado na garganta de dezoito milhões de rubro-negros.

Foto: Diário de Pernambuco

A minhoca do canal tentou se levantar; uma patada do Leão derrubou-a por terra -- mostrando que lugar de minhoca é com o rosto no chão mesmo. O jogo de ontem restabeleceu a ordem futebolística pernambucana: mais uma vez o Sport foi implacável, mais uma vez o santinha levou uma lapada. Tudo volta ao normal nos campos recifenses.

Por duas vezes o Sport esteve atrás no placar; por duas vezes não desistiu, não baixou a cabeça, correu atrás e recuperou a vantagem. E nem precisou de todos os noventa minutos: na verdade o primeiro tempo foi quase todo entregue, de bandeja, à satisfação tricolor. O Santa Cruz abriu o placar logo no começo do jogo, e daí até o fim da etapa inicial foi somente um mar de rosas para os visitantes. O Leão, predador terrível, preparava o bote. Cansava a presa e preparava o ataque.

Porque foi no segundo tempo que tudo aconteceu. Parece até incrível que tanta coisa pudesse acontecer em uma etapa complementar somente; os quarenta e cinco minutos foram poucos para tantos gols. Aos quatro minutos, dois a zero para os visitantes; aos vinte e cinco, dois a dois. Aos vinte e sete três a dois para a cobrinha; aos trinta e quatro, tudo igual na Ilha do Retiro. "Tempo de sobra pra virar", um amigo profetizou a meu lado.

Parecia que ele já sabia. Aos quarenta e quatro, quatro a três para o Glorioso; enfim, aos quarenta e seis, Everton Felipe consagrava a goleada. 

Cinco a três -- e o Santa Cruz até agora está desorientado, procurando quem o atropelou. Sentiu o gosto da vitória durante quase o jogo inteiro! Mas o Leão é o rei da floresta, e lugar de cobra é rastejando no chão. Ontem foi o jogo que fez tudo voltar ao normal. De novo os times pequenos da cidade apanham nas mãos dos grandes. De novo a competência, a garra e a dedicação são recompensadas. De novo a excelência se impõe sobre o amadorismo. De novo e mais uma vez o Leão ergue um troféu sobre o cadáver inerte da cobra coral.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

O tropeço

Tropeçou o Leão em sua disparada. Altivo e senhor de si, pairando acima de todos os seus adversários, desimportou-se da Copa Sul-Americana. A torcida não empolgou o time; aliás a torcida mal estava presente. O elenco não deu o melhor de si; aliás, o elenco, mesmo em campo, estava como que apagado. Sim, senhoras e senhores, o jogo de ontem, é preciso reconhecer, em nada, nada, esteve à altura da majestade leonina. Dezoito milhões de rubro-negros e seis mil gatos-pingados -- para os dois times! -- no estádio? Um elenco de matadores, um Diego Souza, um Edmílson, e nenhum gol marcado? Uma defesa inexpugnável, um Magrão, um Durval, e um gol sofrido no final do jogo, de rebote, feito por um atacante do terceiro escalão tricolor? O jogo de ontem, é evidente, salta aos olhos até mesmo para um cego, destoou escandalosamente da realidade dos dois clubes. Foi como um maracanazo mal reencenado.

Foto: Globo Esporte

Consideradas todas as coisas, no entanto, o tropeço de ontem à  noite não passa disso: um tropeço, um tropicão, uma topada que se dá inadvertidamente no curso da caminhada. Há a dor instantânea, há a raiva do momento, há o palavrão que escapa dos lábios -- mas não passa disso. Não machuca de verdade, não é uma doença que debilite, uma moléstia que retire as forças do corpo e contra a qual seja preciso lutar. Nada disso. A topada é uma dor passageira e momentânea, não uma crise crônica que acarrete invalidade. Os tropeços são tão-somente uma contingência às quais estão sujeitos todos os que têm a terrível ousadia de caminhar. O glorioso Leão da Ilha, mais que isso, tem a audácia de correr...! É de se espantar que ele por vezes tropece?

Não é pelos dedões arrebentados que se afere o estado de saúde do indivíduo. Os músculos retesos, os ossos firmes, a visão acurada, os humores equilibrados: lamentar-se-á porventura a sina de um atleta de tais características por conta do machucado na ponta do pé? Chorar a sua triste sina não parece um pouco exagerado, um despropósito, uma mise-en-scène histriônica? Veja, acusar disso o Leão é, na verdade, admitir que não existe razão para o acusar. Não se encontrou nada que censurar no time, que vem em grande momento, em campanha gloriosa; não se encontrou nada e, portanto, vai-se apegar a mesquinharias. Não é como se o elenco estivesse em estado terminal por conta de um gol -- um reles gol -- sofrido no final do jogo sob a apatia do torcedor rubro-negro. A avaliação clínica exige um conjunto de fatores; um prognóstico de morte iminente por conta de um tropeço é coisa desarrazoada, mais própria de mulheres histéricas e de homens efeminados que não sabem o que é derramar o sangue no campo de batalha. Há mais vitalidade no esportista que tropeça em plena corrida do que no velho reumático cada vez mais preso ao solo. Sim, senhoras e senhores, às vezes a condição de quem não tropeça é muito pior!

O Sport é o jovem de porte atlético; o Santa Cruz, o velho acometido de reumatismo. Caindo ontem, o Sport já hoje se levanta, já sacode a poeira do corpo, já pensa na próxima rodada do brasileirão. Totalmente diferente é o estado da velha minhoca do Canal do Arruda -- que, tendo levado uma pancada no início do Campeonato Brasileiro, até hoje não conseguiu se levantar direito. Despencou do topo da tabela para a penúltima posição e de lá não consegue sair por mais que se esforce, como um velho entre dores horríveis que, caído, por mais que tente e porfie, é incapaz de se levantar sem que lhe ajudem. Que importa que, ontem, meio mal das pernas, meio manco, o velho tricolor tenha permanecido de pé na Sul-americana enquanto o Leão tropeçava? Não é nos fatos isolados e extraordinários que se caracteriza a doença ou a cura. A mera derrota rubro-negra de ontem, totalmente eventual, escandalosamente acidental, não será uma panaceia para todas as mazelas dos tricolores. Infelizmente até mesmo para Pernambuco, que segue na competição tão mal-representado, o jogo de ontem não será capaz de restabelecer o Santa Cruz. A cobrinha escapou das garras do Leão, é verdade; mas, reumática e banguela, não terá como fazer frente aos adversários que terá que enfrentar. Sim, senhoras e senhores, será um massacre de dar pena.