terça-feira, 29 de novembro de 2016

O luto verde que é devido aos meninos de Chapecó

As tragédias, como as alegrias, unem os homens. Dada a nossa triste condição, as primeiras costumam unir mais do que as últimas. É que a felicidade parece diminuir quando é compartilhada; a dor, não, a dor consome e se expande, e tanto mais cresce quanto por mais pessoas estende os seus dedos macabros. Nunca a alegria de uma conquista é tão contagiante quanto a dor de uma tragédia: é a nossa maldição. O sofrimento de perder o emprego costuma ser maior do que a alegria de ter sido contratado, e as lágrimas por um relacionamento rompido geralmente são mais abundantes do que o foram os sorrisos pela descoberta do amor verdadeiro.

Hoje esta maldição nos atinge e nos envergonha de um modo particularmente duro. Todos sabem da trágica queda do avião que levava o time da Chapecoense para a Colômbia, onde ia disputar a final da Copa Sul-Americana: amanhecemos com essas manchetes. E de repente todo o país se cobriu de luto -- um luto muito maior e muito mais generalizado do que a alegria que sentíamos pela final que os nossos conterrâneos heroicamente iam disputar. E de repente nos assustamos com a dimensão daquilo que perdemos sem perceber. E não mais que de repente, como no soneto, o nosso riso escasso transformou-se em farto pranto.

Foto: Folhapress

De repente uma tragédia, uma falha elétrica, uma pane, uma queda...! O time da Chapecoense estava no seu auge: saíra da série D do Campeonato Brasileiro em 2009 para a série A em 2014. Em 2016 chegara à final da Sul-Americana. É uma trajetória notável à qual poucos times terão podido fazer frente -- e o atleta assim abatido em seu apogeu provoca um sentimento estranho em quem acompanhava, deslumbrado, os seus passos. Ficamos nos perguntando até onde ele poderia ter chegado; e, pedindo licença ao poeta, sentimos uma falta enorme, desassombrada, da vida inteira que podia ter sido e não foi. Sim, tragédias assim nos fazem questionar se Neil Young estava certo e se é mesmo melhor queimar de uma vez do que apagar-se aos poucos. 

As tragédias unem os homens; as grandes tragédias, unem-nos por sobre os clubes de futebol. Hoje não somos senão brasileiros chocados com o acidente, perplexos com a catástrofe, emudecidos diante dos caprichos brutais e intransigentes do destino. Poderia ter sido conosco e de uma certa maneira foi: de um certo modo aqueles jogadores, jovens e deslumbrados com a vida, levaram consigo um pedaço da nossa própria alegria e do nosso fascínio esportivo. Todo mundo, independente da camisa que vista, está percebendo isso: é como se por debaixo dos uniformes estivéssemos descobrindo, com toda a clareza que a dor provoca, o pulsar de um coração igual ao daqueles jovens que não puderam chegar ao Atanasio Girardot. Nós também não chegamos; a nós, que ainda vivemos, cabe derramar as lágrimas que eles não podem mais derramar.

Hoje as arquibancadas estão silenciosas e o gramado dos nossos estádios se veste do luto verde que é devido aos meninos de Chapecó. Chegaram longe e nos encheram de orgulho, e são dignos de nosso reconhecimento, nossos pêsames e nossas orações. Hoje é preciso abrir uma exceção e o sagrado manto rubro-negro cede o seu lugar ao uniforme monocromático da Chape: é ele que deve tremeluzir mais alto, repleto de honras, fulgente de glória. Hoje Pernambuco expressa as suas condolências aos irmãos de Santa Catarina, e o Leão da Ilha abaixa a cabeça em muda saudação ao Verdão do Oeste que parte.

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